segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Feridas IV

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Ao fundo vimos um carro, descontrolado. Não abrandou. Quando olhei para trás vi-a parada a olhá-lo, como se não se conseguisse mexer. Ainda gritei. O som que se seguiu continua a ser nexplicável. Ás vezes ainda o oiço. A nossa mãe, Helena, foi projectada trinta metros. A Carolina caiu sobre os seus joelhos, e a primeira coisa que fiz foi abraçá-la, com a mesma força e sentimento dos abraços da mãe. O nosso pai, Alberto, correu na direcção de sua mulher, a gritar, a chorar. Em desespero. Soube, logo ali, no preciso momento em que a máquina atingiu aquele corpo humano, indefeso, que tudo ia mudar. Que a morte ia chegar. Sem dó. Sem medo. Chegou naquele dia para nos despedaçar.
O condutor não parou. Seguiu. Escusado será dizer que a polícia nunca o prendeu.
Aquele foi o momento perfeito da morte. O dia em que ela nos trouxe a tragédia.


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domingo, 5 de dezembro de 2010

Feridas III

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Aquando da morte da nossa mãe o que imperava em casa era o silêncio. A minha infância, e a da Carolina, foi feita de pequenos momentos, de idas à praia e de passeios no campo alentejano. Foi feita de almoços em família, de Natais memoráveis. Fomos miúdos com sorrisos estampados no rosto.

Quando a primeira morte aconteceu muita coisa mudou. O nosso pai cavou um buraco de onde só mais tarde, com muito suor, lágrimas e a nossa ajuda, conseguiu sair. As nossas forças estavam no limite dos limites. A fraqueza apoderou-se de uma família que até então parecia feita de betão. Bastou um condutor embriagado para acabar com tudo o que foi construído com Amor e perseverança.
Lembro-me, infelizmente, desse dia. Estava um dia quente em Vila Viçosa. Aquele quente que só no Alentejo se sente. Visitámos o castelo e o palácio. Almoçámos num restaurante típico. À saída parámos à espera que o sinal ficasse verde para os peões. A luz mudou. Atravessámos. Eu, a minha irmã e o nosso pai fizemo-lo a correr, em jeito de brincadeira. Ela, a nossa mãe, ficou para trás. 
E um ruído soou.


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sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Feridas II

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Um novo dia nasceu. O sol tentava livrar-se das nuvens. Tentava brilhar. Fui até à janela e vi a Carolina sentada no baloiço, no jardim, a gesticular. Desci. « Carolina, que estás a fazer? ». « A falar com o pai.», respondeu. Juro que o meu coração deixou de bater durante breves segundos. Naquele instante senti a minha irmã cair num poço sem fundo. Naquele instante, olhei-a nos olhos e mais uma vez nada vi. Ela mal pestanejava. Estava hipnotizada num outro baloiço, vazio aos meus olhos, mas onde ela avistava o nosso pai. Para ela, ele estava ali sentado, sereno e pensativo. Era ali que tantas vezes brincámos. Foram ali passadas tantas tardes. Foram tantos os segredos confiados e tantas as histórias partilhadas.

O nosso pai era um homem simples. Não dava nas vistas mas era conhecido de todos. Tinha uma loja de electrodomésticos e ainda fazia uns biscates como serralheiro. O dinheiro custava a chegar ao fim do mês, principalmente depois do que aconteceu à nossa mãe, mas eu e a Carolina sempre ajudámos no que era preciso.
Sempre estivemos uns para os outros. Sempre cuidámos de nós, de todas as coisas, de todos os momentos.

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sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Feridas

Está vento. Um pedaço de cinza cai sobre o teu ombro. Acabámos de lançar aos tempos o nosso pai. Morreu faz hoje três dias. Três longos dias. Dolorosos. Feitos de lágrimas e abraços. Ficámos sem ninguém. Só nós dois nesta enorme casa. Primeiro a mãe, agora o pai. Em ti vejo uma tristeza imensa. Uma tristeza daquelas que nos mata a cada segundo, a cada minuto que passa. Eu sei que  te sentes assim. Conheço-te. Sei que tudo isto te vai afogar. E também sei que não vou ter forças para te salvar.
Abraço-te. Dou-te um beijo na tua face rosa e carregada, e olho os teu olhos cor de mel. Nada vejo. Estás vazia. Quero tanto dar-te calor, o pouco que tenho. Mas nada consegues agarrar. Tenho medo por ti e por mim. Se abalares, se te perder, também, que vou eu fazer? Não sei. Não quero sequer pensar nisso. Tremo.
Estamos, agora, sentados na relva, com o mar como fundo e o céu estrelado como tecto.« Carolina, diz-me o que estás a sentir ». O silêncio continua. Um silêncio pesado, gritante, angustiante. Continuo, « Não consigo chorar. Sinto uma dor tão grande que me prende tudo, as pernas, os braços, as lágrimas. O coração ».

A minha irmã sempre fora fechada, e o seu mundo um castelo de cartas, frágil. Criei-a, praticamente, sozinho, desde a morte da nossa mãe. Ficámos os dois devastados, mas ela entrou numa depressão que durou dois anos. Nada parecia fazê-la acordar daquele estado de letargia. Só quando conheceu o Gustavo, o seu namorado. Mas hoje ele não está com ela, para a abraçar. Hoje sou eu que tomo conta dela, outra vez, mas temo não conseguir. É muita coisa no peito. Muita coisa presa.


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terça-feira, 9 de novembro de 2010

Andava à procura de epicidade...




" ...  como um pano amarrotado que se esquece no estendal ... "

Andava à procura de epicidade nas ruas da minha vida. Procurei-a em cada beco, em cada avenida, em cada bairro. Vi as minhas gentes. Vi crianças a brincar, vi o mundo e o tempo. Andava à procura de epicidade. Procurei-a entre oliveiras e sobreiros. Entre montes e cabeços. Vi gerações velhas, vi as suas faces feitas de histórias. Vi homens e mulheres a lavrar a terra. Vi o gado e os pastores e os cães. Vi, também, carroças puxadas por burros, conduzidas por homens do campo com a roupa suja de pó e a barba por fazer. Andava lá, à procura de epicidade. Tirei fotos. Fiz desenhos no chão seco, enquanto que no céu voavam carracenos e cegonhas.
Eu andava à procura de epicidade. E encontrei-a, em cada sorriso que vi. Em cada pôr-do-dol que presenciei, em cada pássaro que vi rasgar o azul limpo do céu. Encontrei-a nos rios e nos lagos e no oceano. Encontrei-a no olhar.
Andava à procura de epicidade.


" Andava à procura de epicidade... " - 09/11/10

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Noite Cerrada



Noite cerrada e sem luz. Caminho. Não sei onde vou. Comecei a viagem quando ainda era dia. Hoje corria o mundo em passos de bebé. Sozinho, só eu e o meu silêncio e uma música a tocar baixinho. Hoje apetece-me andar até desmaiar de cansaço. Apetece-me dar corda aos sapatos e correr o mundo. A observar. A lançar o meu olhar às pessoas que passam, aos meninos que brincam, às árvores, ao céu e ao sol e às nuvens. Até mesmo à chuva. Isso não importa. O tempo. O tempo não importa. Só o mundo.

" Noite Cerrada " - 04/11/10

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Ainda Ardem


Ainda arde, o cigarro. A noite está fria e o vento gélido. Ambos arrefecem as minhas mãos, nuas. E o rio está mesmo aqui e avança furioso. Este meu sítio é só meu. Vim escrever as memórias que ontem criei. Vim sorrir com elas. Vim escrevê-las para mais tarde sorrir-lhes outra vez.
Ainda arde. Arde como o tempo. Umas vezes vagaroso, outras vezes depressa e impiedoso. As horas passam, os dias, os meses. E isto, o que escrevo agora, é intemporal. Vai ficar para sempre, para quem quiser ler ou para quem quiser rejeitar. É por isso que as memórias do ontem têm de ser escritas, têm de se tornar infinitas. São estas as palavras que me fazem estar com pés no chão, que me passeiam pelos mil e um trilhos da minha vida. Por caminhos de terra e pela calçada portuguesa. Eu sou as palavras que escrevo. Sou a terra molhada e o seu cheiro. Sou as estrelas. Sou os meus amigos, sou as suas gargalhadas. Sou o meu sítio e o rio. Sou o tempo. Sou as minhas cidades. Sou cada uma destas letras que formam palavras, que formam frases, que formam sonhos.
Ainda arde, o cigarro. E ardem, também e para sempre, as palavras.


" Ainda Ardem " - 14/10/10     Quatro anos!

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Longe


" ... Cause all my life I felt this way ... "

Ele era carente. Ele ansiava por atenção. Todos os dias esperava por um telefonema, todos os dias esperava que lhe acontecesse algo que chamasse os outros. À noite chorava e escrevia palavras cheias de sofrimento e chorava. Ele não queria ser assim, mas nunca conseguiu mudar. Caminhava sozinho. Percorria avenidas, praças e jardins. E mesmo se nesses sítios estivessem milhões de pessoas ele sentir-se-ia sempre sozinho. Ele não sabia o que queria.
Um dia apaixonou-se, mas não falava com ela. Olhava-a de soslaio. Nem lhe sorria. No dia seguinte aproximaram-se. Falaram. Trocaram palavras. Ela sempre lhe achou piada. No outro dia, depois desses dias, beijaram-se. Foram passear, foram ao cinema e passaram a noite juntos. Adormeceram em êxtase, acordaram com música e sorrisos. Ele estava feliz. Tinha a atenção de alguém. Durante aqueles dias, meses, ele foi feliz, mesmo continuando com as suas manias e com os seus momentos de angustia.
Um dia, depois dos dias de paixão, ela partiu. Ele afastou-a. Não porque não queria estar com ela, mas sim porque queria sempre mais, porque ele era egoísta. Ela foi e ele ficou, sozinho outra vez. À noite chorava e escrevia palavras cheias de sofrimento e chorava, junto à janela, na esperança que o mundo acabasse naquele preciso momento. Desejou-o tantas e tantas vezes.
E aconteceu. Daquela mesma janela o mundo fugiu-lhe, porque ele assim o quis.


" Longe " - 12/10/10 

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Baloiço

A Joana cresceu de coração partido. A Joana cresceu e lutou de coração partido. Os seus pais faleceram quando era bem nova. Tinha os seus seis anos. O irmão da Joana, o Rui, sempre a protegeu. O Rui era mais velho, tinha 16 aquando de tão triste acontecimento. O Rui é mais forte que a sua irmã, mas mais frio e distante. A Joana e o Rui têm agora, respectivamente, 16 e 26 anos de idade. São irmãos, são amigos. São como unha e carne. Ela está mais forte e ele menos frio e menos distante. Ambos estudam e ambos trabalham. No aniversário dos pais vão à missa e rezam. Pedem, querem que os pais estejam bem, a olhar por eles com um sorriso, com uma palavra amiga e com conselhos sempre na ponta da língua.
Nem a Joana nem o Rui namoram. Estão vazios de alguém. Os seus corações estão quase curados, quase. A ferida está quase sarada. Ainda não conseguem partilhar os seus corações com mais ninguém. Mas sabem que está quase, quase.A Joana, quando chega a casa, vinda escola, vai logo para o jardim, vai sentar-se no baloiço, o mesmo baloiço que tantas vezes o seu pai empurrou. O mesmo baloiço que a levava a tocar as nuvens. É naquele jardim que ela, e o Rui, recordam. É nele que encontram esperança e força. É no jardim lá de casa que a Joana e o Rui vivem e é onde eles vão buscar a coragem que os faz sorrir.


" Baloiço " - 05/10/10

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Folhas


O chão está coberto folhas, umas secas e outras ainda verdes, arrancadas, com certeza, pela força do vento. O sol espreita por entre os ramos, altos, das árvores que me circundam. Hoje está um dia lindo
Aqui tudo é mais calmo. As pessoas e as suas vivências. Para mim é perfeito. Neste jardim encontro de tudo um pouco. Encontro homens e mulheres de todo o lado, até mesmo do outro lado do planeta. Estão todos cá pelo mesmo motivo que eu. Aqui, passeia-se de bicicleta sempre que se pode, sempre que o sol brilha ou a chuva caia. É calmo, sossegado. É urbano mas faz-me lembrar a minha casa, no meu Alentejo, rodeado, preenchido, de oliveiras e de um sol quente como as suas gentes. Tenho saudades. Ainda não me atacaram com força, mas tenho. Saudades, principalmente, dos pequenos pormenores, como do carteiro na sua azáfama pela cidade e do canto dos pássaros que tantas pessoas têm em suas casas. Tenho saudades de todas as coisas que fazem parte da minha planície, mas já tenho saudades deste sítio onde estou agora, já tenho saudades das pessoas que vou deixar aqui em Março. A minha estadia ainda mal começou mas sinto que este sítio, que estas pessoas, já fazem parte da minha vida, e que depois vai ser difícil deixar de estar com elas, de as ver todos os dias. Tenho a certeza de que este é um bom sentimento e quero partilha-lo. Sinto-me bem, distante do que me tornou o Homem que sou, mas feliz.
O vento sopra, agora, mais forte. Abana os ramos, altos, das árvores que me circundam. Folhas caem. E, para mim, cada uma representa uma pessoas diferente. Umas que conheci no meu Portugal e outras que já conheci aqui. E elas não caem das árvores para morrer, caem para colorir o chão que piso neste meu novo dia-a-dia. Caem para completar a minha vida e para se sentarem, comigo, neste banco de jardim.


" Folhas " - 15/09/10

domingo, 12 de setembro de 2010

Na Multidão



Uma rua movimentada. Uma cara, um olhar. No meio da multidão avisto a tua face, os teus traços, aqueles que me trazem esperança. Sigo em tu direcção. Tropeço. Caio. Atrapalho-me no meio de tanta gente. Quando me levanto, olho, já não te vejo. Passa um, dois minutos. Nada. De repente, oiço alguém a chamar o meu nome e descubro quem. Tu. Sempre tu. O tempo pára. O relógio deixa de contar as horas e os minutos. À minha volta está tudo imóvel, quase tudo. Menos nós. Corro até ti. Alcanço-te. Levo as mão à tua cara. Entro no teu olhar, no teu mundo e beijo-te. Que beijo.
Sempre tu, e ainda bem.

" Na Multidão " - 04/09/10

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Por Caminhos de Ferro


" With my eyes closed I'll look closer, I'll always remember ... "

O comboio acaba de partir. Na minha cabeça, atropelando-se umas às outras, surgem memórias de tempos longínquos e outras bem recentes. Aquelas mais velhas combati-as. É bom recordar, amo, mas agora foco-me nas mais frescas. São essas que me interessam neste meu hoje, e hoje começa uma nova era. Apenas saí do meu jardim à beira-mar plantado uma vez e só durante uma semana. Agora estou a partir para uma aventura bem mais ousada e bem mais significativa. Parto com destino à Eslovénia, longe do nosso sol, das nossas gentes, e as gente que lá vou encontrar, espero, vão-me receber com o mesmo calor que faz no nosso Portugal em Agosto. Vão ser seis meses que irão passar depressa, mas vão ajudar-me a crescer como pessoa, como Homem. Sou sincero, se me tivessem perguntado, há um ano, onde estaria hoje a resposta seria «em Lisboa». Mas isso é uma das coisas boa da vida, é imprevisível, única.
Não sei se estou, totalmente, preparado mas tenho a certeza que vou lutar contra qualquer coisas com que me depare. Vou aproveitar ao máximo, tirar fotografias, conhecer pessoas, sorrir.
As saudades, essas, vão ser muitas. Saudades dos olhares e das gargalhadas. Mas isso, isso, tenho guardado em mim e todos os dias vou recordar.

" Por Caminhos de Ferro " - 04/09/10

sábado, 28 de agosto de 2010

Elogio à Amizade


Fomos feitos no jardim, no sítio dos Deuses


Juntos somos capazes de grandes feitos. Quando estamos separados sofremos. Temos uma força incrível, que vai crescendo a cada dia que passa. Sei, e digo-o, que já não sei estar sem a vossa companhia. São a minha força. São aquilo que me faz sorrir, correr e dançar. As saudades vão ser mais que muitas, mas vão ser combatidas com imagens e sons, e com o desejo, inato, de querer estar convosco. Até já.


" Elogio à Amizade " - 01/09/10

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

" ... baby, we'll be fine ... "



" ... baby, we'll be fine ... "

A noite está quente e a lua ilumina o céu e as pessoas. Os seus corpos balançam ao som da música que toca lá ao fundo, em cima de um palco. Em uníssono cantam e gritam, quando é preciso. Libertam fantasmas. Choram angústias, arrependimentos. Choram alegria e paixão. Os corações explodem num turbilhão de sentimentos. Há suspiros espalhados pela multidão.
Neste exacto momento nada mais importa. Aqui tenho tudo o que quero: a minha música, com as palavras que me enchem a alma, e a companhia certa. A comunhão que se vive é gritante de tão palpável que é. Os braços estão estendidos em direcção às estrelas e os punhos cerrados em jeito de revolta. Tudo é perfeito.
No final quer-se mais, sorri-se. Trocam-se palavras, cansadas é certo, mas palavras carregadas de emoção. Nada mais importa. Só os beijos que vêm depois.


" ... baby, we'll be fine ... " 05/08/10

sábado, 24 de julho de 2010

Gestos, aqui e ali


Há coisas sem sentido. Há coisas mesmo sem sentido nenhum. Há coisas boas e há coisas más. Há os pequenos pormenores, os mais simples, e há os grandes gestos. Há de tudo. Mesmo tudo.
Não sei quais são os significativos mas sei aqueles que me interessam. Sei quais são aqueles que me fazem sorrir ou me fazem desatar às gargalhadas em plena rua. Esses estão guardados numa caixinha ou em mim, seja na memória ou no coração. Não me apetece escrever sobre mais nada, agora. Isto chega-me. Só tenho um desejo, que cheguem muitos mais momentos como estes que tenho vivido ultimamente.


" Gestos, aqui e ali " - 24/07/10

sábado, 3 de julho de 2010

Sem Asas

Quando não se tem asas, corre-se. Saltam-se obstáculos. Procura-se seguir em frente, de cabeça levantada, de punho cerrado. Carrega-se no peito coragem e valentia e destreza, muita destreza. Nunca se encolhem os ombros. Olha-se de frente, sem rodeios, sem meias medidas. Luta-se. Cai-se. Levanta-se. Luta-se. No fim, grita-se vitória!


" Sem Asas " - 30/08/10

sábado, 19 de junho de 2010

Malmequer


Calcei os sapatos e fiz-me à estrada, sem antes dizer adeus à minha mãe. Parti em direcção à aldeia. O sol beijava-me a cara e dava-me as mãos. As oliveiras seguiam-me passo a passo e o gado pastava junto ao caminho de terra que percorria em grande azáfama. Quando cheguei à tasca do Sr. Manel esta já estava repleta e, num dos cantos, estava sentada a Maria. A Maria sempre fora a minha paixão e sempre fora, também, a minha melhor amiga. Desde a primeira classe que eu e a Maria brincávamos juntos, estudávamos juntos. Até morávamos ao lado um do outro. Sempre os dois. Nunca me vou esquecer do dia em que me apaixonei por ela. Foi num dia abrasador de Agosto, tal e qual como este. Foi num dia em que fomos pela primeira vez ao lago dos canaviais. Ela, sem medo, entrou na água, mergulhou e desapareceu. Durante breves segundos deixei de ver. De repente, surgiu mesmo diante de mim, com os seus longos cabelos castanhos a descerem-lhe pelos ombros, com um sorriso que, rapidamente, me atingiu. Não consegui desviar o olhar. Parei. Fechei os olhos. Abri-os. E ela lá continuava. No mesmo sítio, também a olhar para mim. Esbocei um sorriso e sentei-me à beira da água enquanto ela nadava livremente. Aquele dia despertou-me. Até aí nunca tinha visto nada igual. Não sei se foi o local, se foi o sol ou se foi a água, mas soube que me apaixonara.


«Sabes quem é que vi ontem?»
«Diz...»
«A Dona Ernestina.»
«Ela ainda tem a herdade?»
«Não sei. Talvez os filhos tenham ficado por lá. Sabes, nunca te disse isto, mas foi naquela herdade, lá no lago, que me apaixonei por ti. Na primeira vez que lá fomos.»
«A sério? Lembro-me bem desse dia.»
«Desde esse dia, dessa tarde, que estás sempre comigo, mesmo quando não estás e eu estou em silêncio, sozinho. Custa-me crer que só me declarei anos mais tarde. Mas digo-te, durante esses anos, até ao dia em que te beijei pela primeira vez, naquele mesmo lago, num dia quente de Verão, o que sentia nunca desapareceu. Sonhei sempre contigo, escrevi-te, li-te. É tão bom estar hoje contigo.»


E agora que foste embora, que faço? Fecho os braços e os olhos? Nem consegui dizer-te adeus, nem dar-te um beijo daqueles tão nossos. Não sei para onde foste, não sei qual foi o teu destino. Só sei que me deixaste aqui sozinho, no meio destes malmequeres e desta pastagem.
A noite está a cair. De ti tenho o reflexo na água deste lago e o teu cheiro e o teu sorriso e a tua imagem, neste mesmo sítio, de há uma década atrás. Partiste. Não dissemos adeus, não te senti envolvida nos meus braços, não senti o aroma dos teus longos cabelos castanhos.
Se me quiseres visitar sabes que vou estar por aqui, neste lago. Vou estar debaixo de um sol abrasador e de uma lua cheia. Vou estar entre estas oliveiras e entre o barulho dos grilos. Ao nascer do sol serás o meu desejo e quando este se pôr vou dizer «Até amanhã».


" Malmequer " - 23/06/10

terça-feira, 1 de junho de 2010

Estrela do Areeiro


" ... guess we're still kids on the run ... "


O céu está a ser rasgado por um avião. O seu fumo branco pinta o azul claro e limpo. Deixei de o ver, escondeu-se atrás de um prédio que tem uma estrela no cimo. Um dia quero lá chegar acima e vislumbrar Lisboa, e depois, à noite, quero ver as luzes da ponte, quero avistar o reflexo da lua na água do rio.
Todos os dias olho aquela estrela como se fosse um objectivo. Todos os dias a olho e lhe desejo tocar. Tem sido a minha casa ao longo deste últimos anos. Daqui a uns meses vou mudar de casa, vou para o frio, para um manto branco, no entanto, esta estrela de que falo vai estar sempre comigo, vou-me lembrar dela sempre que me sinta só, porque, eventualmente, isso vai acontecer. Vai ser sempre um farol, a minha verdadeira casa, e é nessa casa que vou encontrar as pessoas e os momentos que fizeram de mim quem sou hoje e quem vou ser no futuro. É com essas coisas que me identifico, é nelas que me acho. São elas que me fazem sentir bem e em paz, coisa que há muito não sentia. É com essas pessoas e com esse momentos que, mesmo em dias maus, vou deixar escapar um sorriso, ou outro, por entre os lábios.
Esta estrela, que se ergue mesmo diante do meu olhar, lá em cima, um dia vai ser minha. Um dia vou conquista-la.


" Estrela do Areeiro " - 01/06/10

domingo, 23 de maio de 2010

A Fragilidade das Coisas Frágeis



" ... foi como entrar, foi como arder ... "



Pensem, por um minuto que seja, em tudo o que nos rodeia.

Ontem vi um mundo desabar. Era um mundo de duas pessoas apenas. Mas era forte, deles. Era, sim. É passado, mas ainda é presente e ainda vai ser futuro. Aquele mundo vai ser sempre deles, quer queiram, quer não. Não há como fugir disso. Tudo o que viveram e tudo o que viram nascer vai lá estar, para sempre. Vão estar separados, não vão olhar ao mesmo tempo. Não se vão ver. Mas sabem que, tanto um como o outro, vão relembrar tudo. Irão olhar para trás e chorar. Pode não ser um choro em forma de lágrimas, mas a saudade será imensa. Podem até largar um sorriso, pois, sabem que tudo foi perfeito, que tudo deu certo, que tinham futuro. Mas juntos, de mãos dadas, de lábios dados, não separados.

Já pensaram?

Ontem, morreu um Amor, mais um. Era tão forte que se tornou frágil. E tornou-se frágil porque era tudo o que viam e tudo o que viviam. Não tinham olhos para mais nada. Fecharam-se no seu mundo e perderam o outro mundo, aquele que é nosso e que era deles. Deixou de o ser e no deles se perderam. Em promessas. Em palavras eternas e de eternidade.

A sério, pensem, por um minuto que seja, em tudo o que nos rodeia.


" A Fragilidade das Coisas Frágeis " - 23/05/10

sexta-feira, 21 de maio de 2010

A Nova Casa



Tinha uma outra casa. Escura. O chão era de alcatifa e tinha aquele cheiro tão característico. A janela estava quase sempre fechada. Era rara a luz que ali entrava. O ar era pesado e a mobília demasiado antiga, já velha e com alguns buracos e brechas. A cama era grande mas nada confortável e, para mais, fazia um ruído feio quando nela me deitava. Esta foi a minha casa durante vários anos. Impessoal.
Agora, quando olho para trás, não tenho saudades. Lembro-me de mal conseguir respirar. Era o meu canto e, ao mesmo tempo, o meu recreio. Saudades, não. Prefiro esta nova casa. Repleta de luz e um ar leve e puro e vivaz. Este não me magoa. Ando descalço no chão, deito-me nele. Posso, finalmente, sorrir e contar histórias. Esta é a minha verdadeira casa. O sítio dos Deuses. Um jardim banhado pelo sol e por gargalhadas.


" A Nova Casa " - 21/05/10

terça-feira, 18 de maio de 2010

Sorrow

"Sorrow found me when I was young,

Sorrow waited, sorrow won.

Sorrow that put me on the pills,

It's in my honey it's in my milk.

It's only about half a heart alone

On the water,

Cover me in rag and bones, sympathy.

Cause I don't wanna get over you.

I don't wanna get over you"


Sorrow - The National/High Violet ( 2010 )

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Partilha Reservada



" ... raise our heavenly glasses to the heavens ... "


A reserva de quem gosta observar quem o rodeia. A reserva de quem, com astúcia, vai dedilhando as palavras, as imagens e os gestos dos outros, sem eles perceberem. É uma reserva que vai sendo partilhada a pouco e pouco, enquanto se conquista empatia. Partilhar o que se observa faz parte de mim, daquilo que sou, de quem sou como pessoa, como Homem. Ser-se observador tem muito que se lhe diga. Sensibilidade e perspicácia. Olhos bem abertos, sensíveis a qualquer movimento ou som. Vão-se tirando fotografias mentais, vai-se escrevendo numa folha de papel em branco. Captar sorrisos e pequenos olhares enche-me a alma de sol, por vezes, são esses sorrisos, os dos outros, mais do que os meus, que me trazem paz. É bom ver que aqueles que estão à nossa volta se deliciam connosco, ou porque gracejamos ou porque, simplesmente, falamos das nossas experiências e aventuras. Isso, para mim, chega. É-me tudo. Tem-me sido tudo, também.


" Partilha Reservada " - 18/05/10

sábado, 1 de maio de 2010

Sotaque




"... hoje toquei num avião sem tirar os pés do chão..."


Faço zoom à paisagem. Ao longe avisto montes, oliveiras, casas, pintadas de branco e azul, perdidas no meio da flora alentejana. Avisto moinhos, quintas, riachos. Avisto o sol, as nuvens e, principalmente, o céu, também ele azul, também ele mágico. Adoro olhar o céu, caminhar nas nuvens, sentir o sol na cara.
Fecho os olhos. Inspiro o ar fresco do campo. Inspiro toda a inspiração que ele me traz. Bebo as suas histórias e bebo as suas gentes, simples, humildes. Todas elas com algo para contar, seja por se sentirem sós ou seja pelo simples, mas sincero, gosto em partilhar.
Abro os olhos, alcanço o mundo. Estava mesmo a precisar disto. De fugir um pouco. De encher o peito de coisas simples, mas coisas que verdadeiramente me trazem plenitude e acalmia.


" Sotaque " - 01/05/10

segunda-feira, 19 de abril de 2010

A Tua Mão


"...E eu vou dizer que a noite é mais quente à luz do seu olhar..."

Saltei. Caí. Levantei-me. Caminhei. A tua casa ainda fica longe. Ainda tenho de atravessar estradas, caminhos de ferro, pontes e quintais. A distância não me preocupa, nem me assusta. O cansaço não surge e os pés como que voam. O coração segue o caminho, não o mais fácil, não aquele sem pedras e muros. Escolhe aquele que sente, que lhe fornece calor. Mesmo se este for, por vezes, doloroso e longo.
Avanço, cautelosamente, por entre a ramagem do bosque. Piso folhas caídas, atravesso riachos. Depois, subo os degraus da igreja e passo pelo café ao lado do campo da bola. Ao longe, já avisto a tua casa, caiada de branco. Tem umas janelas grandes, por onde entra a claridade do sol e o ar, puro e fresco, dos eucaliptos que se encontram mesmo junto do pequeno curso de água que dá vida ao espaço que circunda a tua casa caiada de branco.
Chego. Estás à janela. Os teus cabelos, castanhos, brilham. Fazes-me adeus e eu correspondo com um sorriso. Sento-me no chão junto a uma árvore, e não trocamos sequer uma palavra. O silêncio chega. O silêncio é perfeito. O silêncio é como tocar a tua mão, suave, revelador. É um silêncio baixinho, de suspiros. Não preciso de abrir a porta e ir ter contigo. Sei que amanhã vou ganhar um beijo teu, ou dois.


" A Tua Mão " - 20/04/10

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Quatro


" ... so don´t think that I'm pushing you away when you're the one that I've kept closest ... "



I

Eu acredito no equilíbrio. Acredito, piamente, numa divisão de forças. Acredito numa balança perfeitamente equilibrada, com conta, peso e medida. Se uns têm sorte, sucesso e felicidade, outros não terão essas mesmas coisas. Se uns encontram o Amor, outros não vão ter essa ... sorte. Ainda procurei motivos que me fizessem ver isto de outra forma, mas a minha procura foi infrutífera. Chamem-lhe o que quiserem, destino, fado, vida. Eu chamo-lhe equilíbrio. Nem todos podemos ser felizes, nem todos podemos ser figuras importantes, nem todos amam ou são amados. Não é possível, já aceitei esse facto.

II

Ontem vi-te, no ecrã do meu computador. Com um sorriso do tamanho do teu coração, enorme, curioso e cativante. Lembrei-me do primeiro dia. Lembrei-me do segundo primeiro dia. Sorri, como tu. Depois disse-te «Até já».

III

Acordei eram 9h da manhã. Agora o sol já brilha com todo o seu esplendor. Abri a janela e, rapidamente, o quarto foi invadido por uma sensação de acalmia. Por ali fiquei, apoiado no parapeito, a justificar tudo o que me atormenta. Tentei explodir, gritar, mas isso ainda não consigo. «Passos de bebé Luís, passos de bebé», pensei cá para os meus botões.


" Quatro " - 08/04/10

terça-feira, 30 de março de 2010

Beco Bento de Jesus Caraça


Hoje fui a casa da minha avó. Decidi ficar lá mais tempo do que o normal e sentei-me nuns degraus junto à porta. Aqueles degraus são os mesmos onde, há muitos anos atrás, brinquei com carrinhos, ao berlinde e onde passei grande parte da minha infância. Continuam iguais, o tempo não passou por eles, por mim sim, passou. Recordo aqueles momentos com um sorriso nos lábios, pois, ensinaram-me muita coisa, mesmo que ainda não tenho descoberto tudo. Lembro-me de ficar sempre sujo e cansado, depois de correrias e futeboladas. O cheiro daquele beco ainda faz parte do meu ser e ,por vezes, desejo brincar ali mais uma vez, por uma última vez. Só mais uma. Lembro-me, especialmente, de uma tarde de Verão. O sol, abrasador, queimava. Eram 15 horas, talvez. Lá em baixo, ao pé do jardim do mercado, ouvi, e vi, o meu avô a chamar-me. Abalei a correr, e quando lá cheguei ele disse «Luís, vamos até ao café do Simão comer uma sandes de carne assada». Nada disse. Apenas sorri como quem diz «sim» com um simples sorriso. Acho que aprendi a sorrir nesse dia. Claro que não foi a primeira vez que sorri, mas foi a que me deu a conhecer o mundo dos sorrisos. Onde se vê e se ganha esperança. Onde nos curamos dos males e desavenças. Onde nos apaixonamos. Onde amamos. Onde, depois, morremos.


" Beco Bento de Jesus Caraça " - 30/03/10

sábado, 20 de março de 2010

Destino


Aquelas mãos tocaram-me a face e os lábios. Aquele olhar penetrou a minha alma e deu-lhe vida. Aquele momento foi tudo para mim. Fechei os olhos e murmurei, « tu és o meu destino ».
O dia nasceu cinzento. Lá fora, as nuvens cobriam o sol e davam indícios de um dia chuvoso e negro. Através da janela do meu quarto não se via ninguém, apenas um gato que se abrigava do vento que se instalara. Tudo parecia igual, mais um dia de inverno.
Levantei-me, tomei banho e fui almoçar. Com um dia daqueles só apetecia ficar em casa e ver um filme ou a ler, mas não, fui beber café com a rapaziada. Peguei no carro e fui ter com eles. Quando cheguei já estava tudo sentado. Uns a partilhar histórias da noite anterior, uns a contar as mais recentes novidades da terra e outros a falar de bola. Era apenas mais uma tarde de sábado nada fazia prever o que mais tarde iria acontecer.
Depois do café cada um foi para sua casa e eu não fui excepção. Fui até ao computador ouvir música e escrever, um ritual que me acompanhava há já algum tempo e que não dispensava. No entanto, as palavras demoravam a sair, naquele momento nada saía, nem em português nem em inglês. Nem em prosa nem em verso. Estranhei. Não era normal. Escrevia sempre algo, mesmo que não fizesse sentido ou que fosse a coisa mais absurda do mundo. Naquele dia não. Passou uma hora, duas horas e nada. Decidi, então, ir dar uma volta a pé, refrescar os pensamentos. Vesti o casaco e segui caminho. O tempo continuava cinzento e nada agradável. Quando a caminhada já ia longa sentei-me num dos bancos de um jardim local peguei no telemóvel e enviei uma mensagem.
Alguns minutos mais tarde, ao fundo do jardim, surgiu uma pessoa. Aquela silhueta feminina que já há algum tempo não vi dirigia-se a mim. De repente, as minhas pernas começaram a tremer e o meu coração a bater mais forte e depressa. Aproximou-se e sentou-se a meu lado, sempre com uma presença entusiasmante.
-Olá, tudo bem?
-Sim e contigo?
-Também. Fico contente por teres vindo. Estava com medo que recusasses.
-Não tinha razões para recusar. A tua decisão foi um pouco repentina, é verdade, mas respeitei-a. Não fiquei sequer irritada, só surpreendida e um pouco triste.
Há três meses que não nos víamos. Nessa altura decidi afastar-me para a tentar esquecer, no entanto, nunca perdi a esperança de a reencontrar. Sentia-me incompleto, como se ela fosse a única pessoa que conseguia preencher o meu coração. Ontem, naquele jardim, senti-me outra pessoa. Diferente.
-Mas diz-me lá, qual foi a razão de te quereres encontrar comigo? - Continuou
-Primeiro, porque tinha imensas saudades tuas. Estes meses foram muito longos e não imaginas o que custaram a passar. Em segundo lugar, tenho uma coisa para te dizer. Já a disse algumas vezes mas não posso continuar assim, a ter dúvidas, sem saber o que se passa à minha volta.
-Há três meses que não te vejo e agora é que queres falar comigo? Porque não o fizeste mais cedo?
-Acho que tinha de descobrir quem sou e o que quero. Tinha de me concentrar, pôr a cabeça no lugar.
-Mas passa-se alguma coisa?
-Não. Com isto quis apenas encontrar-me, e saber se estava disposto a lutar. Pelo futuro e pela minha felicidade. Sei que não fui correcto na forma como agi contigo mas acredita que também o fiz por ti.
-Continuo sem perceber...
-... Amo-te.
Aquelas palavras pairaram sobre nós ao mesmo tempo que soltavam sentimentos e emoções, todo o tipo de emoções. Olhei-a nos olhos, fixei-a como nunca o tinha feito, agarrei a sua mão, suave e pequena, aproximei-me e beijei-a. Um beijo curto mas intenso. Estava a voar, como sempre quis, como sempre sonhei.
Pouco depois as palavras surgiram.
-Não estava à espera disto. Não sei o que dizer, o que pensar.
-Não precisas de dizer nada, desde que tenhas sentido aquilo que senti. Nada mais importa, só nós e este momento. Vamos guarda-lo e vive-lo. Estes meses só serviram para reforçar o que sinto por ti, e o que sinto é maior que tudo, é mais alto que o céu. Quero-te como nunca quis ninguém. Quando um dia conseguir mostrar tudo o que és em mim, e o que és para mim, o teu mundo vai mudar. Deixa-me mudar o teu mundo.
-Nunca ninguém me tinha dito isso, nem parecido. Na verdade senti imensas saudades tuas, senti imenso a tua falta, mas achei que não devia dizer nada. Foram muitas as vezes que peguei no telemóvel e te quis ligar mas não tive coragem. Estes meses deram-me a conhecer o que realmente me faz falta e com quem me sinto bem, quem me faz sorrir, quem me animava quando estava em baixo, e essa pessoa és tu. Mas mesmo assim não me sinto segura, tenho medo.
-Não tens de pensar nisso. Liberta-te, deixa as coisas acontecerem e desenvolverem-se por elas próprias. Vais ver que se fizeres isso deixarás de ter medo. Sempre soube que sentias algo por mim e por isso continuei a querer estar contigo, mas, chegou a um ponto em que percebi que precisavas de tempo e espaço.
-Pois, parece que acertaste, mais uma vez.
-Já devias saber, nestas coisas raramente me engano.
Aquelas mãos tocaram-me a face e os lábios. Aquele olhar penetrou a minha alma e deu-lhe vida. Aquele momento foi tudo para mim. Fechei os olhos e murmurei, « tu és o meu destino ».


" Destino " - 20/03/10



terça-feira, 9 de março de 2010

Zero Horas


" ... partir para ficar... "

São zero horas. O relógio, cujo pêndulo balança, pesado e incessantemente, vai começar a contar de novo, do zero. Vou abrir os olhos e vou tentar mudar tudo.
Vivo num mundo diferente, pelo menos na minha cabeça. O meu mundo é feito de Amor e Esperança. Ás vezes resguardo-me com medo das pessoas. Que dirão elas de um homem que ainda acredita no Amor? Sim, porque hoje já não se pensa nisso. Já nada é importante. Vive-se apenas, já não se sente. Eu ainda sinto. Ainda. Já não é igual, já não é com tanta força e convicção, mas sinto. E tudo o que quero é Amar, seja a família, os amigos ou alguém mais especial. Mas o tempo voa, é escasso. E as oportunidades, essas, são cada vez menos, e os erros que cometi marcaram-me e não aprendi com eles.
O tempo voa, voa mesmo. Corre depressa, com o vento. Já são vinte e quatro anos neste mundo. Vinte e quatro. Um dia vou encontrar o Amor e escrevê-lo numa página em branco, para todo o mundo ver que ainda é possível. Até lá vou ter mais atenção a tudo o que me rodeia. Tudo.


"Zero Horas " - 10/03/10





terça-feira, 2 de março de 2010

Matéria Final

Relancei o meu olhar às coisas
Agarrei as cordas e pintei os quadros
Fabriquei desenhos moribundos e desiguais
Chorei lágrimas e desejos fatais

Saí das nuvens para a terra
Caí num chão de cinzas
Traí a alma de quem me ama
Parti para um mar onde alguém me chama

Bebi vinhos de puro veneno
Perdi momentos de puro encanto
Combati em guerras sem fim
Morri num negro jardim


" Matéria Final " - 02/03/10

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Inegavelmente já passou


Tenho saudades das nossas viagens. Daquelas viagens de comboio, onde imperavam sorrisos e brincadeiras. Onde a despreocupação era o presente e onde o destino não era planeado. Tenho saudades, sobretudo, das nossas vivências e da nossa intimidade. Sei que nunca mais vou viver coisas parecidas, por mais aventuras que tenha, por mais alegrias que viva. Dantes era tudo melhor. Os tempos, as acções, o divertimento. Tudo era vivido como se não houvesse amanhã. Dançávamos, corríamos. Tenho mesmo muitas saudades da nossa meninice, sim era meninice. Era desprendimento, liberdade. Que é feito disso?

" Inegavelmente já passou " - 28/02/10

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Abrigo


Que se lixe. Estou farto de mentiras! Estou farto do meu egoísmo e das minhas neuras. Estou farto do meu coração. Não, não quero desaparecer, mas quero que algo me acorde. Sei que já o disse muitas vezes, mas agora sinto-o de verdade. Serei assim tão fraco? Serei, eu, incapaz de abrir os olhos e perceber que nada cai do céu? Merda, que derrotado de merda! Acorda, gaiato!
Já sonhei com tanta coisa, com tantos lugares e com tantos momentos. Com tantas pessoas. E onde é que isso me levou? A lado nenhum, pura e simplesmente. Sonhar não é mau, não. Até faz bem. Faz bem se colocarmos mãos à obra e fizermos alguma coisa para alcançar esses sonhos. É certo que nem sempre tive sorte, mas possas, a sorte protege os audazes e eu de audácia não tenho nada. Tenho medo, acho. As feridas custam a sarar e as cicatrizes marcam-nos para sempre mas não são impeditivas, são obstáculos que se superam com vontade e crença. Com lutas e querer. Com força. No entanto, não acho essa força. Não sei onde está nem onde a vou encontrar. Tudo me parece cinzento e sem vida, vazio, o nada.
Também estou quase a explodir com a ingratidão das pessoas. A sua futilidade e falsidade incomodam-me. Como é que é possível estarmos tão perto uns dos outro mas, ao mesmo tempo, tão distantes? Parecemos estranhos numa cidade desconhecida, num país desconhecido. Será que sou só eu que vejo isso? Que raiva!
Está na altura de erguer a cabeça. Abraçar quem me abraça e lutar contra as adversidades, sem medo. Com pujança. Não é, Luís?


« Luís, Luís! Acorda! Estás a ter um pesadelo. Acorda, homem! »
« Que foi? Que se passa? »
« Sei lá. Estavas p'raí a falar alto. »
« A sério? O quê? »
« Qualquer coisa sobre as pessoas e sobre ti, que estavas farto não sei do quê. »
« Só isso, mais nada? »
« Não percebi o resto. Porquê? »
« Nada, nada. Só para saber se tinhas ouvido mais alguma coisa. »


" Abrigo " - 23/02/10

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Começo


Quem somos? O que queremos desta vida que, constantemente, nos magoa e trai? Um dia gostava de descobrir tudo isto. Gostava de navegar num mar que me contasse como ultrapassar obstáculos, e como lutar contra tantas adversidades. Todos os dias me pergunto «O que faço aqui?», mas nunca encontro uma resposta a preceito, fico sempre na dúvida, confuso entre pensamentos nem sempre bem construídos ou, muito provavelmente, intempestivos.
Perco-me em cidades onde as pessoas não se olham e não querem saber do próximo. A distância que nos invade prende-nos e não nos deixa mergulhar nos sentimentos, por mais "insignificantes" que sejam. Somos feitos de fado, de saudade, de nostalgia e de estórias. Não vivemos o presente. Nunca! Temos a tendência de procurar um refúgio, e sempre o conseguimos. Eu conheço o meu, ou os meus. Sei que para sair de lá terei de lutar, terei de esquecer o passado, lança-lo para trás das costas. Sei que o crer terá de ser forte mesmo que me traga dissabores. Só quando isso acontecer é que vou conhecer o verdadeiro "eu".


" Começo " - 16/02/10

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

E a música toca lá ao fundo...

A noite está fria e chove copiosamente. O céu está escuro e carregado, como o meu rosto. As lágrimas que choro confundem-se com a água que cai lá de cima. A única coisa que me preenche é este saco de mentiras e medos, pedaços de um coração há muito partido. Eu sou um vidro estilhaçado, onde contemplo vários reflexos do meu ser mas nenhum deles corresponde à realidade. Ainda espero por um soco no estômago. Desejo acordar de um passado que ainda me prende as pernas e as mãos e me deixa despido de sentimentos e afectos. Já pertenço a esta cidade, ao seu movimento, à sua sensualidade, beleza e história, mas ainda sou feito de trilhos e caminhos de terra. Sou ainda as oliveiras e o cheiro a terra molhada. Sou o rosto, já comido pelo tempo, das gerações mais velhas. Sou o soar dos sinos da igreja e a relva do jardim lá do sítio. Sou tudo isto mas sou fraco e sou distante. Toco mas não sinto.


" E a música toca lá ao fundo... " - 20/01/10

sábado, 23 de janeiro de 2010

Fogo Vivo

Que caminho é este que sigo? Qual é o seu fim e propósito? Tudo isto parece-me estranho e perigoso, inquietante. Sinto que é o nada, o vazio, uma estreita estrada que me levará à escuridão, a um mundo incompleto e insensível. Um local feito de mágoas, onde teias prendem aqueles, os mais fracos e feridos. E onde cordas traçam desenhos macabros no chão e as pedras, essas, elevam grotescas estátuas de figuras aterradoras. O vermelho predomina. É incandescente. Não existe a mais suave brisa, só calor e chamas. Não sei o que hei de chamar a esse sítio, mas apetece-me chamar-lhe de casa.


" Fogo Vivo " - 12/01/10

domingo, 17 de janeiro de 2010

Frágil Esperança

O Amor traz-nos esperança
Mas traz-nos também fragilidade
É um dos pesos da balança
É um dos pesos da saudade

Nem sempre é-nos correspondido
Nem sempre nos dá aquele olhar
Sim, o Amor é fodido
Resta-nos crer no seu despertar


" Frágil Esperança " - 19/02/09

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

No Meu Mundo

Eu sou aquele que caminha sem saber
Sou mais um que vive da esperança
Hoje talvez seja mais um a morrer
De um Amor que me devorou na mudança
Sempre fui este corpo mendigo
Vagabundo dos sentimentos
Construí o meu abrigo através da Dor
Nas mesmas planícies onde colhi dolorosos ventos
Não há um dia em que me esqueça do futuro
Nem do medo que ele me traz
Esta verdade é só minha
É antiga, é forte, é mordaz
Vivo sem ter a certeza do que sinto
Sigo sem saber o caminho
A terra será o fim da vida
Que vou chorar sozinho


" No Meu Mundo " - 23/10/08

sábado, 9 de janeiro de 2010

Desordem

Não sei por onde ando, por quem passo
Não sei quem conheço, quem abraço
Passeio sozinho entre a multidão
Que me esmaga ao fechar a sua mão

Doem-me os sentidos de tanta tristeza e ansiedade
Trago em mim lágrimas carecidas de verdade
O coração bate mas ecoa num corpo vazio
Do qual a alma há muito partiu


" Desordem " - 05/01/10

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Sentes a alma crescer devagar. Sentes a dor bater devagar.
Confundes a alma com a dor,
A dor com o querer,
O querer com a arte de amar
E no fim, devagar, com calma...
Confundes o amor com o que é realmente a alma

11/12/09

By Carmen

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Dia 3

Dois mil e dez. Parece que foi ontem que entrámos nos os anos 00. Já passaram dez anos, dez. Não sei o que achar desta década. Boa não o foi. Poucas coisas alcançadas e muitos erros, demasiados erros. Por vezes lá surgia uma luz, uma pequena esperança. Não estou a falar só de mim, estou também a falar do mundo. Hoje vive-se num planeta débil, consumido por chamas e inundado pelos mares e chuvas. Se ainda há esperança? Há. É difícil de a manter viva mas temos de a renovar a cada dia que passa. Lutando, vencendo obstáculos e corridas. Tem de ser este o nosso pensamento.
Pessoalmente espero que este não seja mais um ano mas sim "O" ano. Mas sei que isso tem de partir de mim, com força e alegria. De cabeça levantada e atenta. Com paixão e Amor. Sonhando, sorrindo.






" Dia 3 " - 01/01/10