terça-feira, 25 de outubro de 2011

Ele levava consigo a eterna saudade. Os refúgios escondidos e o outrora. Devolveu, então, ao vento o que restava dos dias e das horas e dos minutos, para conseguir construir, ele, os seus próprios dias e horas e minutos. Mas o mundo caía-lhe nos ombros, de vez em quando. 
Ele carregava-o para casa e metia-o num canto. Depois, cansado, deitava-se e desaparecia. Dava voltas e voltas, corria corridas de quilómetros e quilómetros. Levantava-se cansado, pois.


Cansado porque sabia que iria chegar a casa e trazer o mundo com ele.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Feito de Pedra

Era feito de pedra e era onde ele brincava e corria e jogava à bola. Era feito de pedra e era onde ele caía, se levantava e caía e feria os joelhos. Era, naquele largo, que ele vivia as tardes e as noites quentes, tórridas, de Verão. Lá viviam meninos despreocupados, sem intenção de futuro, mas com um presente feito de melodias que gargalhavam e dançavam ao sabor das brisas de tardes e noites alentejanas.
Enquanto eram observados pela vizinhança e pelas oliveiras que ao fundo preenchiam os montes, os miúdos alegravam as almas e cansavam os músculos. Não havia sítio como aquele, nem a relva do jardim era tão apelativa, onde os velhos, os avós, se sentavam à mesa e jogavam às cartas ou dominó. As pedras daquele largo eram pisadas como quem pisava aquela relva do jardim dos velhos.
O largo tinha as dimensões necessárias. Bom para futeboladas e para jogar ao berlinde, já que, havia um pequeno espaço de terra para fazer as três covas. As árvores que o ladeavam e os arbustos eram os locais predilectos para quem se divertia a jogar às escondidas.
Aquele largo era cheio de vida.
Sim, era. Cheio de vida. Hoje não passa de um simples local de passagem. Já não há baloiços, nem areia, nem miúdos a correr e a jogar à bola e ao berlinde. Hoje é um simples largo. É uma memória, ainda bem viva e presente. Uma memória que vive no passado mas que tantas e tantas vezes é rebuscada e buscada para o presente.
Aquele largo, onde ele brincava e corria e jogava à bola ainda lá está. Diferente, é verdade, mas contém as histórias e os passos de bebé. Aquele que serão sempre os primeiros e os últimos a morrer.


" Feito de Pedra " - 24/05/11

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Safira

Atravessada a imensidão do oceano, chegaram, finalmente, ao tão aguardado destino. A areia não era branca e a água não tinha aquele azul-marinho que tantas vezes viram em postais. Não havia palmeiras, nem cabanas junto à praia. Mas o que os surpreendeu não foram essas coisas. Foram as pessoas. Essas sim eram como as tinham descrito. Calorosas, prestáveis. Tudo o resto era um simples complemento.
Passearam-se na pequena vila, passearam-se na floresta que a envolvia. Nadaram, descansaram, dormiram. Acordaram de noite, à beira de uma fogueira, rodeados de pessoas, de sorrisos. Acordaram no mundo que tantas vezes sonharam viver. Ao sol, à chuva. Com canções. Com o dedilhar das pessoas que dedilhavam as guitarras.
Este era o imaginário deles.


" Safira " - 21/04/11

Branco

Casas caiadas de branco. Ruas calcetadas. Gaiolas e o chilrear dos seus habitantes bem junto às portas de cada casa caiada de branco. Gentes comidas pelas histórias que o tempo conta. Andorinhas. Ninhos. Saudade e simplicidade. O sotaque, carregado, destas gentes. Destas pessoas que transportam aos ombros vivências distantes.
Estes são os sítios onde crescer sabe sempre melhor. Onde cada qual conhece cada qual. Onde a galinha da vizinha não é sempre melhor que a nossa. Estes sítios, rodeados de oliveiras, rodeados de serenidade, são a paz, a perfeição, a brisa. São o conforto e o abrigo. Fazem de nós o mais insignificante dos seres com o mais significante dos sentimentos.


" Branco " - 21/04/11

sábado, 12 de março de 2011

E soaste como um sino

O alarme soa.
A noite foi passada em claro. A televisão está ligada e é a estática que faz ruído. O sol espreita mas as nuvens ganham a guerra. O cinzento invade-me a sala. Perturba-me o olhar.
Levanto-me e vou até à janela. Aqui de cima avisto correrias e oiço as buzinas dos carros. Mas não me incomodam. Aqui de cima a única coisa que me traz desassossego é o simples, e especial, medo de ir até à rua, aquela cheia de correrias e buzinadelas. Porque aqui sou só eu e porque aqui sou eu o rei. Aqui ,olho de cima para baixo e não dou nada a ninguém. E não devo explicações e não devo responsabilidades. É aqui que não tento mudar e combater e gritar vitória. O meu medo é feito dessas coisas. É um medo de ser como eles. Eles que perdem, eles que, também, ganham.

O alarme soa.
Ontem ganhei uma batalha. Hoje começa a guerra.

" E soaste como um sino " - 12/03/11

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Revolução



Sozinho de mãos dadas com o tempo. Percorrendo ruelas e becos. Sozinho de mãos dadas com o tempo e atirando pedras às estátuas do passado. Sozinho, a olhar para o que aconteceu. O que aconteceu, o que já lá vai, o que perdi em guerras inúteis, em pesadelos de cores garridas e claustrofóbicas.
Quero deitar tudo cá para fora, mas os obstáculos que se erguem mesmo diante de mim não me deixam caminhar ou correr ou, sequer, produzir pensamentos e ideias sensatas e terminais. Sozinho.
Sozinho de mãos atadas pelo tempo que passou. Pelo passado. Pelos momentos que um dia me deram esperança e lucidez.


" Revolução " - 23/02/11

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Já Fiz o Mundo Parar

O homem começou a escrever.
Dele saíam apenas suspiros, e da sua face caíam gotas de suor. Escrevia como nunca vira ninguém escrever. Estava pasmado.
Ao fim de dez minutos, levantou a cabeça, olhou para mim e perguntou: «Sabes quem sou?». «Não, nunca o vi. Mora aqui?», respondi. «Não. Vivo nestas folhas onde escrevo as minhas histórias. Vivo nestas paredes onde pinto quem sou. Vivo nas coisas que preenchem este espaço. Sejam elas a madeira da porta ou a cera desta vela que nos ilumina. Eu não sou ninguém. Sou a sombra e o vento. Sou o que te rodeia, o que nos rodeia.»
Aquelas palavras ecoaram no vazio, e ecoaram, também, na minha cabeça. Pesaram-me. Não sei porquê, mas aquele homem tinha algo de especial e de oculto.
Ele voltou a baixar a cabeça e voltou a fechar-se no seu mundo. 
Minutos passaram. Palavras jorravam naquelas páginas. Lá fora, a chuva começara a cair, com força. Com a força dos trovões. E o homem não parava de escrever.


" Já Fiz o Mundo Parar " - 05/02/11

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Falta o Quase


Tenho saudades tuas, Montemor. Saudades de caminhar nos teus trilhos. Saudades de subir a Rua Nova. De beber café no Almansor e ver o verde do Jardim Público. Saudades do teu campo e das oliveiras que o preenchem.
Tenho saudades tuas, Montemor. Das minhas gentes, do teu sol, da tua simplicidade e do teu castelo.




Tenho saudades tuas, Lisboa. Saudades de caminhar na tua calçada. Saudades de descer a Avenida. De beber café na Baixa enquanto eléctricos amarelos se passeiam pelas tuas ruas. Saudades do rio e da ponte que se ergue bem por cima dele.
Tenho saudades tuas, Lisboa. Das tuas pessoas, do teu cheiro, da tua elegância e das tuas cores.


" Falta o Quase " - 19/01/11