terça-feira, 30 de março de 2010

Beco Bento de Jesus Caraça


Hoje fui a casa da minha avó. Decidi ficar lá mais tempo do que o normal e sentei-me nuns degraus junto à porta. Aqueles degraus são os mesmos onde, há muitos anos atrás, brinquei com carrinhos, ao berlinde e onde passei grande parte da minha infância. Continuam iguais, o tempo não passou por eles, por mim sim, passou. Recordo aqueles momentos com um sorriso nos lábios, pois, ensinaram-me muita coisa, mesmo que ainda não tenho descoberto tudo. Lembro-me de ficar sempre sujo e cansado, depois de correrias e futeboladas. O cheiro daquele beco ainda faz parte do meu ser e ,por vezes, desejo brincar ali mais uma vez, por uma última vez. Só mais uma. Lembro-me, especialmente, de uma tarde de Verão. O sol, abrasador, queimava. Eram 15 horas, talvez. Lá em baixo, ao pé do jardim do mercado, ouvi, e vi, o meu avô a chamar-me. Abalei a correr, e quando lá cheguei ele disse «Luís, vamos até ao café do Simão comer uma sandes de carne assada». Nada disse. Apenas sorri como quem diz «sim» com um simples sorriso. Acho que aprendi a sorrir nesse dia. Claro que não foi a primeira vez que sorri, mas foi a que me deu a conhecer o mundo dos sorrisos. Onde se vê e se ganha esperança. Onde nos curamos dos males e desavenças. Onde nos apaixonamos. Onde amamos. Onde, depois, morremos.


" Beco Bento de Jesus Caraça " - 30/03/10

sábado, 20 de março de 2010

Destino


Aquelas mãos tocaram-me a face e os lábios. Aquele olhar penetrou a minha alma e deu-lhe vida. Aquele momento foi tudo para mim. Fechei os olhos e murmurei, « tu és o meu destino ».
O dia nasceu cinzento. Lá fora, as nuvens cobriam o sol e davam indícios de um dia chuvoso e negro. Através da janela do meu quarto não se via ninguém, apenas um gato que se abrigava do vento que se instalara. Tudo parecia igual, mais um dia de inverno.
Levantei-me, tomei banho e fui almoçar. Com um dia daqueles só apetecia ficar em casa e ver um filme ou a ler, mas não, fui beber café com a rapaziada. Peguei no carro e fui ter com eles. Quando cheguei já estava tudo sentado. Uns a partilhar histórias da noite anterior, uns a contar as mais recentes novidades da terra e outros a falar de bola. Era apenas mais uma tarde de sábado nada fazia prever o que mais tarde iria acontecer.
Depois do café cada um foi para sua casa e eu não fui excepção. Fui até ao computador ouvir música e escrever, um ritual que me acompanhava há já algum tempo e que não dispensava. No entanto, as palavras demoravam a sair, naquele momento nada saía, nem em português nem em inglês. Nem em prosa nem em verso. Estranhei. Não era normal. Escrevia sempre algo, mesmo que não fizesse sentido ou que fosse a coisa mais absurda do mundo. Naquele dia não. Passou uma hora, duas horas e nada. Decidi, então, ir dar uma volta a pé, refrescar os pensamentos. Vesti o casaco e segui caminho. O tempo continuava cinzento e nada agradável. Quando a caminhada já ia longa sentei-me num dos bancos de um jardim local peguei no telemóvel e enviei uma mensagem.
Alguns minutos mais tarde, ao fundo do jardim, surgiu uma pessoa. Aquela silhueta feminina que já há algum tempo não vi dirigia-se a mim. De repente, as minhas pernas começaram a tremer e o meu coração a bater mais forte e depressa. Aproximou-se e sentou-se a meu lado, sempre com uma presença entusiasmante.
-Olá, tudo bem?
-Sim e contigo?
-Também. Fico contente por teres vindo. Estava com medo que recusasses.
-Não tinha razões para recusar. A tua decisão foi um pouco repentina, é verdade, mas respeitei-a. Não fiquei sequer irritada, só surpreendida e um pouco triste.
Há três meses que não nos víamos. Nessa altura decidi afastar-me para a tentar esquecer, no entanto, nunca perdi a esperança de a reencontrar. Sentia-me incompleto, como se ela fosse a única pessoa que conseguia preencher o meu coração. Ontem, naquele jardim, senti-me outra pessoa. Diferente.
-Mas diz-me lá, qual foi a razão de te quereres encontrar comigo? - Continuou
-Primeiro, porque tinha imensas saudades tuas. Estes meses foram muito longos e não imaginas o que custaram a passar. Em segundo lugar, tenho uma coisa para te dizer. Já a disse algumas vezes mas não posso continuar assim, a ter dúvidas, sem saber o que se passa à minha volta.
-Há três meses que não te vejo e agora é que queres falar comigo? Porque não o fizeste mais cedo?
-Acho que tinha de descobrir quem sou e o que quero. Tinha de me concentrar, pôr a cabeça no lugar.
-Mas passa-se alguma coisa?
-Não. Com isto quis apenas encontrar-me, e saber se estava disposto a lutar. Pelo futuro e pela minha felicidade. Sei que não fui correcto na forma como agi contigo mas acredita que também o fiz por ti.
-Continuo sem perceber...
-... Amo-te.
Aquelas palavras pairaram sobre nós ao mesmo tempo que soltavam sentimentos e emoções, todo o tipo de emoções. Olhei-a nos olhos, fixei-a como nunca o tinha feito, agarrei a sua mão, suave e pequena, aproximei-me e beijei-a. Um beijo curto mas intenso. Estava a voar, como sempre quis, como sempre sonhei.
Pouco depois as palavras surgiram.
-Não estava à espera disto. Não sei o que dizer, o que pensar.
-Não precisas de dizer nada, desde que tenhas sentido aquilo que senti. Nada mais importa, só nós e este momento. Vamos guarda-lo e vive-lo. Estes meses só serviram para reforçar o que sinto por ti, e o que sinto é maior que tudo, é mais alto que o céu. Quero-te como nunca quis ninguém. Quando um dia conseguir mostrar tudo o que és em mim, e o que és para mim, o teu mundo vai mudar. Deixa-me mudar o teu mundo.
-Nunca ninguém me tinha dito isso, nem parecido. Na verdade senti imensas saudades tuas, senti imenso a tua falta, mas achei que não devia dizer nada. Foram muitas as vezes que peguei no telemóvel e te quis ligar mas não tive coragem. Estes meses deram-me a conhecer o que realmente me faz falta e com quem me sinto bem, quem me faz sorrir, quem me animava quando estava em baixo, e essa pessoa és tu. Mas mesmo assim não me sinto segura, tenho medo.
-Não tens de pensar nisso. Liberta-te, deixa as coisas acontecerem e desenvolverem-se por elas próprias. Vais ver que se fizeres isso deixarás de ter medo. Sempre soube que sentias algo por mim e por isso continuei a querer estar contigo, mas, chegou a um ponto em que percebi que precisavas de tempo e espaço.
-Pois, parece que acertaste, mais uma vez.
-Já devias saber, nestas coisas raramente me engano.
Aquelas mãos tocaram-me a face e os lábios. Aquele olhar penetrou a minha alma e deu-lhe vida. Aquele momento foi tudo para mim. Fechei os olhos e murmurei, « tu és o meu destino ».


" Destino " - 20/03/10



terça-feira, 9 de março de 2010

Zero Horas


" ... partir para ficar... "

São zero horas. O relógio, cujo pêndulo balança, pesado e incessantemente, vai começar a contar de novo, do zero. Vou abrir os olhos e vou tentar mudar tudo.
Vivo num mundo diferente, pelo menos na minha cabeça. O meu mundo é feito de Amor e Esperança. Ás vezes resguardo-me com medo das pessoas. Que dirão elas de um homem que ainda acredita no Amor? Sim, porque hoje já não se pensa nisso. Já nada é importante. Vive-se apenas, já não se sente. Eu ainda sinto. Ainda. Já não é igual, já não é com tanta força e convicção, mas sinto. E tudo o que quero é Amar, seja a família, os amigos ou alguém mais especial. Mas o tempo voa, é escasso. E as oportunidades, essas, são cada vez menos, e os erros que cometi marcaram-me e não aprendi com eles.
O tempo voa, voa mesmo. Corre depressa, com o vento. Já são vinte e quatro anos neste mundo. Vinte e quatro. Um dia vou encontrar o Amor e escrevê-lo numa página em branco, para todo o mundo ver que ainda é possível. Até lá vou ter mais atenção a tudo o que me rodeia. Tudo.


"Zero Horas " - 10/03/10





terça-feira, 2 de março de 2010

Matéria Final

Relancei o meu olhar às coisas
Agarrei as cordas e pintei os quadros
Fabriquei desenhos moribundos e desiguais
Chorei lágrimas e desejos fatais

Saí das nuvens para a terra
Caí num chão de cinzas
Traí a alma de quem me ama
Parti para um mar onde alguém me chama

Bebi vinhos de puro veneno
Perdi momentos de puro encanto
Combati em guerras sem fim
Morri num negro jardim


" Matéria Final " - 02/03/10