sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Feridas II

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Um novo dia nasceu. O sol tentava livrar-se das nuvens. Tentava brilhar. Fui até à janela e vi a Carolina sentada no baloiço, no jardim, a gesticular. Desci. « Carolina, que estás a fazer? ». « A falar com o pai.», respondeu. Juro que o meu coração deixou de bater durante breves segundos. Naquele instante senti a minha irmã cair num poço sem fundo. Naquele instante, olhei-a nos olhos e mais uma vez nada vi. Ela mal pestanejava. Estava hipnotizada num outro baloiço, vazio aos meus olhos, mas onde ela avistava o nosso pai. Para ela, ele estava ali sentado, sereno e pensativo. Era ali que tantas vezes brincámos. Foram ali passadas tantas tardes. Foram tantos os segredos confiados e tantas as histórias partilhadas.

O nosso pai era um homem simples. Não dava nas vistas mas era conhecido de todos. Tinha uma loja de electrodomésticos e ainda fazia uns biscates como serralheiro. O dinheiro custava a chegar ao fim do mês, principalmente depois do que aconteceu à nossa mãe, mas eu e a Carolina sempre ajudámos no que era preciso.
Sempre estivemos uns para os outros. Sempre cuidámos de nós, de todas as coisas, de todos os momentos.

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