sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Feridas

Está vento. Um pedaço de cinza cai sobre o teu ombro. Acabámos de lançar aos tempos o nosso pai. Morreu faz hoje três dias. Três longos dias. Dolorosos. Feitos de lágrimas e abraços. Ficámos sem ninguém. Só nós dois nesta enorme casa. Primeiro a mãe, agora o pai. Em ti vejo uma tristeza imensa. Uma tristeza daquelas que nos mata a cada segundo, a cada minuto que passa. Eu sei que  te sentes assim. Conheço-te. Sei que tudo isto te vai afogar. E também sei que não vou ter forças para te salvar.
Abraço-te. Dou-te um beijo na tua face rosa e carregada, e olho os teu olhos cor de mel. Nada vejo. Estás vazia. Quero tanto dar-te calor, o pouco que tenho. Mas nada consegues agarrar. Tenho medo por ti e por mim. Se abalares, se te perder, também, que vou eu fazer? Não sei. Não quero sequer pensar nisso. Tremo.
Estamos, agora, sentados na relva, com o mar como fundo e o céu estrelado como tecto.« Carolina, diz-me o que estás a sentir ». O silêncio continua. Um silêncio pesado, gritante, angustiante. Continuo, « Não consigo chorar. Sinto uma dor tão grande que me prende tudo, as pernas, os braços, as lágrimas. O coração ».

A minha irmã sempre fora fechada, e o seu mundo um castelo de cartas, frágil. Criei-a, praticamente, sozinho, desde a morte da nossa mãe. Ficámos os dois devastados, mas ela entrou numa depressão que durou dois anos. Nada parecia fazê-la acordar daquele estado de letargia. Só quando conheceu o Gustavo, o seu namorado. Mas hoje ele não está com ela, para a abraçar. Hoje sou eu que tomo conta dela, outra vez, mas temo não conseguir. É muita coisa no peito. Muita coisa presa.


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