sábado, 19 de junho de 2010

Malmequer


Calcei os sapatos e fiz-me à estrada, sem antes dizer adeus à minha mãe. Parti em direcção à aldeia. O sol beijava-me a cara e dava-me as mãos. As oliveiras seguiam-me passo a passo e o gado pastava junto ao caminho de terra que percorria em grande azáfama. Quando cheguei à tasca do Sr. Manel esta já estava repleta e, num dos cantos, estava sentada a Maria. A Maria sempre fora a minha paixão e sempre fora, também, a minha melhor amiga. Desde a primeira classe que eu e a Maria brincávamos juntos, estudávamos juntos. Até morávamos ao lado um do outro. Sempre os dois. Nunca me vou esquecer do dia em que me apaixonei por ela. Foi num dia abrasador de Agosto, tal e qual como este. Foi num dia em que fomos pela primeira vez ao lago dos canaviais. Ela, sem medo, entrou na água, mergulhou e desapareceu. Durante breves segundos deixei de ver. De repente, surgiu mesmo diante de mim, com os seus longos cabelos castanhos a descerem-lhe pelos ombros, com um sorriso que, rapidamente, me atingiu. Não consegui desviar o olhar. Parei. Fechei os olhos. Abri-os. E ela lá continuava. No mesmo sítio, também a olhar para mim. Esbocei um sorriso e sentei-me à beira da água enquanto ela nadava livremente. Aquele dia despertou-me. Até aí nunca tinha visto nada igual. Não sei se foi o local, se foi o sol ou se foi a água, mas soube que me apaixonara.


«Sabes quem é que vi ontem?»
«Diz...»
«A Dona Ernestina.»
«Ela ainda tem a herdade?»
«Não sei. Talvez os filhos tenham ficado por lá. Sabes, nunca te disse isto, mas foi naquela herdade, lá no lago, que me apaixonei por ti. Na primeira vez que lá fomos.»
«A sério? Lembro-me bem desse dia.»
«Desde esse dia, dessa tarde, que estás sempre comigo, mesmo quando não estás e eu estou em silêncio, sozinho. Custa-me crer que só me declarei anos mais tarde. Mas digo-te, durante esses anos, até ao dia em que te beijei pela primeira vez, naquele mesmo lago, num dia quente de Verão, o que sentia nunca desapareceu. Sonhei sempre contigo, escrevi-te, li-te. É tão bom estar hoje contigo.»


E agora que foste embora, que faço? Fecho os braços e os olhos? Nem consegui dizer-te adeus, nem dar-te um beijo daqueles tão nossos. Não sei para onde foste, não sei qual foi o teu destino. Só sei que me deixaste aqui sozinho, no meio destes malmequeres e desta pastagem.
A noite está a cair. De ti tenho o reflexo na água deste lago e o teu cheiro e o teu sorriso e a tua imagem, neste mesmo sítio, de há uma década atrás. Partiste. Não dissemos adeus, não te senti envolvida nos meus braços, não senti o aroma dos teus longos cabelos castanhos.
Se me quiseres visitar sabes que vou estar por aqui, neste lago. Vou estar debaixo de um sol abrasador e de uma lua cheia. Vou estar entre estas oliveiras e entre o barulho dos grilos. Ao nascer do sol serás o meu desejo e quando este se pôr vou dizer «Até amanhã».


" Malmequer " - 23/06/10

1 comentário:

Alice disse...

Escreve um livro, ou dois, ou três, para eu te poder ler todos os dias, em qualquer sitio. Palavras assim merecem capas a protegê-las. *