quinta-feira, 15 de março de 2007

Agradecer às Cinzas

No meio de uma floresta começa um fogo. Os raios de sol embatem num espelho partido, caído entre os arbustos. Desse impacto surgiu uma faísca, que, devagar, caíu por entre as folhas secas. Num curto espaço de tempo um fumo claro apareceu vindo do chão e uma pequena chama nasceu, ganhou vida.
O dia estava quente, soprava um vento abafado. A floresta estava seca, como se estivesse à espera da morte e, depois, da vida. O fim e o princípio. O fogo foi tomando proporções bem maiores, alcançava, até, os ramos mais altos, galgava arbustos e consumia cada pedaço de vida. A velocidade era constante e intensa. O calor era insuportável e não era preciso tocar nas coisas para as destruir. Aquela floresta estava destinada à cinza. Estava destinada a ser um desenho a preto e branco. Sem vida. Uma perpétua saudade.
A alguns quilómetros de distância, uma senhora, já velha, tentava lavar a roupa num rio quase seco. A cada dia que passava aquela mulher, com um olhar que podia contar muitas histórias, olhava a floresta, mas nesse dia viu que dela saía um fumo negro. Aquele local era dos últimos onde se podia ver, ouvir e sentir vida. Decidiu, então, pegar nas forças que lhe restavam e rezar. Pediu um novo começo, pediu vida. Rezou, rezou, rezou. Recordou histórias daquele espaço, recordou a sua vida e o que a rodeava. De repente, uma lágrima começou a escorrer-lhe pelo rosto. Levantou-se, olhou o horizonte e soltou um suspiro. O céu estava limpo de tudo. Nem uma réstia de fumo negro. O fogo que consumiu parte da floresta tinha acabado. A velha ajoelhou-se, levantou os braços e disse " Obrigado mais uma vez " e caíu, morta, no chão. O fim e o princípio. Talvez por milagre aquele sítio tinha outra oportunidade. A oportunidade de um novo começo. Das cinzas nasce o novo.


" Agradecer às Cinzas " - 24/01/07

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